quando tudo deixar de ser

Fábio Luchiari

Julho / 2017

 
 

Profano Sudário (1997)

Apresentar uma síntese da trajetória de um artista, com quase 30 anos de produção, requer um cuidado especial e um olhar apurado.

Rogério Ghomes teve sua primeira participação numa exposição em 1988, numa coletiva em Curitiba e a partir de então, muitas exposições individuais e coletivas, estudos, dedicação e principalmente um embate muito intenso consigo mesmo.

Sua obra fala sempre na primeira pessoa do singular. Fala das suas buscas, suas angustias, temores, memórias, duvidas. É um trabalho autobiográfico, mas, se pararmos para observar calmamente suas fotos, o que seria o outro, no caso ele, vai se revelando um espelho, imagem por imagem, até nos vermos refletidos e percebidos que todos os sentimentos capturados e expressos por ele são os mesmos que nos afligem. Alguns com mais intensidade, outros com menos, uns na mesma intensidade. São sentimentos que perseguem o ser humano, revelam nossas fraquezas, nossa efemeridade no mundo, medos, incertezas, nosso estado de espírito e conflitos pessoais.

Incrível como um distúrbio afeta a credibilidade (2007)

Parti do princípio de não apresentar uma mostra cronológica, mas fazer diálogos com trabalhos produzidos em diferentes períodos, buscando agrupar temas relevantes de sua trajetória e que de tempos em tempos ressurgem, com um outro olhar, uma outra sensibilidade, porém, sempre coerentes com sua poética, suas indagações e buscas.

A escolha de trabalhos representativos na carreira de Rogério também foi um norte do processo curatorial, podendo apontar dentre esses:' Incrível como um distúrbio afeta a credibilidade ', de 2007; ' Barroc ', de 2015.

A instalação 'Profano Sudário', formada por fronhas com retratos da nuca do artista, nos leva a refletir sobre a efemeridade e a fragilidade do sujeito. Com a identidade velada, a imagem elimina todas as chances de reconhecimento, fazendo com que aquelas cabeças possam ser de qualquer um de nós.

Seguindo a questão da efemeridade, pelo viés da espiritualidade, os trabalhos 'Olhai' e 'Plaza Alemania' nos remetem às questões antagônicas de nossa existência: vida-morte, sagrado-profano. Nestas obras, as aves são os sujeitos e a chave de interpretação dessas opostos. As pombas como símbolo da espiritualidade, ligado à iconografia cristão-católica como representação do ‘Espírito Santo’, símbolo da inspiração e presença de Deus nos Homens, cria um embate direto com as imagens dos urubus, símbolo da morte e finitude dos seres vivos.

Olhai (2001)

Diferentemente dos discursos anteriores, como obras da série 'Incrível como um distúrbio afeta a credibilidade' nos faz pensar sobre a ausência e um estado constante de busca. Nas imagens, uma figura vai sutilmente desaparecendo na paisagem, como se estivéssemos perdendo alguém. O vermelho intenso, cor sempre associada ao amor ou a paixão, reforça ainda mais a cena, deixando-as carregadas de dramaticidade e solidão.

Plaza Alemanha (2015)

LDA_CWB // 379KM_4H46MIN (2013)

Em ' LDA_CWB 379km 4h46min ', diferente da série anterior onde a pessoa é quem vai, nesse caso é o próprio artista quem está a caminho. No título, as abreviações para Londrina e Curitiba, mais a distância percorrida e o tempo de duração, indica um caminho tomado na vida dele. Um indica o local de chegada e o outro o local de partida. E entre esses pontos, um percurso onde as incertezas e o desconhecido do que há por vir, deixam nebuloso e sombrio o caminho a ser percorrido.

Na exposição, as imagens tendem a nos causar uma sensação de profunda espera, que num determinado momento tudo se mostrará nítido, claro, o que nunca acontece. O silêncio predomina nas imagens, como estivéssemos mergulhados num estado de introspecção, de fechamento para o exterior e que tudo não passa de miragens ou sonhos; um eterno estado onírico.

Às vezes, as paisagens aparecem nítidas e cheias de melancolia. Às vezes, as paisagens aparecem diluídas e cheias de saudades.

Barroc (2015)

A série 'Barroc', de 2015, poderia causar um estranhamento por se tratar de imagens nítidas e repletas de objetos, se compararmos com as outras obras apresentadas, mas que, numa análise detalhada e apurada, faz com que essas imagens façam todo sentido com as demais. Antiquários podem ser entendidos como locais de memórias descartadas ou rejeitadas, por não apresentar mais serventia ou por não mais merecer atenção. Lustres, esculturas, taças, pratarias, tudo visto através de vitrines e com o reflexo das ruas incidindo, trazem nas imagens dois momentos distintos: um de um tempo parado, que se tornou memória; e o outro do tempo presente, onde as coisas então acontecem e a vida pulsa com toda intensidade.

Por um momento, a vida que pulsa, representada pela cidade refletida, nos dá um alento e nos faz esquecer sobre nossa finitude, mesmo que no fundo saibamos que um dia tudo deixará de ser.

 

PROFANO SUDÁRIO (1997)
Instalação, fotografia, fronhas, dimensões variáveis, Coleção Fundação Cultural de Curitiba.

INCRÍVEL COMO UM DISTÚRBIO AFETA A CREDIBILIDADE (2007)
Impressão pigmento mineral sobre papel Rag Photographique 310g / m sob metacrilato, 200 x 320 cm, Coleção McLAren.

BARROC (2015)
Impressão pigmento mineral sobre papel Rag Photographique 310g / m sob metacrilato, 120 x 80 cm.

OLHAI (2001)
Impressão pigmento mineral sobre papel Rag Photographique 310g / m sob metacrilato, 65 x 300 cm. Coleção Pirelli MASP.

PLAZA ALEMANHA (2015)
Pigmento mineral sobre papel Rag Photographique 310g / m², 50 x 150cm.

LDA_CWB // 379KM_4H46MIN (2013)
Impressão pigmento mineral sobre canvas, 144 x 210cm.

 

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