preferencial

Karen Debértolis

Junho / 1998

Somente umas poucas nuvens poderiam suprimir as imagens cinzentas da minha memória. Ainda escuto barulhos de água do mar batendo na banheira na manhã seguinte de viagens inconcebíveis, antes do banho de sais. Tenho relatórios imensos com medidas exatas dos trechos percorridos. Só. Quilômetros medidos palmo a palmo com requintes suaves de mágoa e desespero e alegria e devaneio. Me recosto sob as árvores desaparecidas de meus sonhos tentando recompor fato por fato, preto e branco, sim ou não. Estão ali, espalhados por uma extensa faixa de curvas os declives de sentimentos que desatei da alma. Mas, persistem cravados nas nuvens como lembranças de poemas de infância. Insistindo. Me livrei dos sapatos, dos mapas rodoviários de meus sentidos, dos guias turísticos de cidades inóspitas que desabaram da prateleira sobre o último fio de dor. E está tudo aqui, neste envelope preferencial, neste telegrama de imagens, neste diário de bordo para observadores ocultos.

 

ALMA (1998)
Fotografia, vidro jateado, 124 x 124 cm, Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM SP.